setembro 28, 2010

I'm not your baby, Fernando.

Era um festival de bandas underground, eu queria me jogar, como sempre quis. Como ainda faço, só as vezes. Eram duas ou três amigas, uma roupa ridícula, uma maquiagem pesada, e uma noite.
Eu me apoiei e sentei na divisa que dava pras mesas do camarote, e olhei pra trás, o vi, ele me chamou atenção.
Era uma calça justa, uma t-shirt do Placebo, rímel roxo no cabelo e maquiagem mais forte que a minha. Parecia familiar, ele chamava a atenção de todos. Cheguei a comentar com as amigas que o conhecia de vista. Mas na verdade era a primeira vez que nos cruzamos.
Tempo depois, encostou-se num pilar. Todos ao redor cheiravam álcool. Nos apresentamos. Falou seu nome dobrando a língua, Ferrrnando.
Eu não gostava de Avril, nem de Iron Maiden. Ele sentia-se excluído, me lembro das palavras:
- Eles me deixaram aqui, plantado.
Eu o senti, estranhamente. Era apenas uma atração estranha. Nada carnal. Eu o queria, ao meu lado, mais vezes, e naquele momento também.
Eu me excedi, tempo depois. Fiz mais do que podia, e isso talvez tenha o feito não gostar [mais] de mim. Mas pouco me importei. Eu só queria me jogar.

Todos bebiam. Ele saiu e comprou bananas e maçãs no supermercado. Eu me surpreendia ao passar da noite.

E tudo acaba, subimos a rampa nos despedindo. Ele entrou no carro, pegou o volante. Pegou os garotos.
Eu entrei no carro. A garota me pegou.
A noite acabou. Mas eu nunca esqueci seu nome, Fernando.



To be continued...




[texto escrito para Fernando Albertin]



B.

setembro 24, 2010

Próxima parada

O pior de ter que ir em pé em um ônibus pra mim, não é ter que ficar em pé, se equilibrar, ou aguentar estranhos se esfregando. É o fato de eu não poder ler meu livro.
Ainda bem que na maioria das vezes posso sentar, e fugir desse lugar sujo, em todos os aspectos. Ultimamente tenho me concentrado tanto na leitura, que mal percebo quando está na hora de descer.
Hoje não foi diferente. Pra mim a vida era um garoto que teve que velar o corpo de um cadáver leproso. E não as dezenas de pessoas feias que entravam e saltavam em seus respectivos pontos. Mas uma hora tive que interromper a minha vida literária, e voltar pra vida real.
Quando fechei meu livro, e o segurei em meu colo, a mulher que sentara ao meu lado, pregou seus olhos na capa e ficou observando por muito tempo. Ela corria os olhos pelo título e pela ilustração; ao certo não fazia ideia de quem era o autor, e nem reconhecia a obra clássica. Mas ela deve ter percebido o quão diferente eu era dos demais passageiros. Isso me fez sentir um pouco menos inútil que eles.
Deitei meus olhos sobre a estrada e esperei a hora de descer.
A chuva era grossa, e eu tinha quatro quarteirões à caminhar, até minha casa. Me irrito demasiadamente com chuva, principalmente quando não tenho como me proteger. Principalmente quando molham meus livros.
O dia com certeza seria ruim, mas pelo menos eu tinha me sentido mais inteligente do que outras pessoas hoje, não é. Isso me deixou bem.

E como a maioria dos meus textos. A conclusão é a incerteza.
Pelo menos eu tinha me sentido mais inteligente que outras pessoas hoje. Isso me deixou bem;
Ou talvez, o que me deixe mal é não ser tão ignorante como as pessoas que aparecem na minha frente. Talvez, o que me deixe mal é me sentir tão perdida meio à multidão.



B.

setembro 21, 2010

Ela mente

Algo que notei faz um tempo, é que ela sempre está sorrindo nas fotos. Sorri como se o mundo dela fosse realmente muito bom, como se nada estivesse morrendo ao seu redor. Ela é ótima nisso, essa farsa soa bela. Como consegue ?
Quer se mostrar tão satisfeita com todas as coisas, mas eu sei que não está. Sei que não tem brilho nenhum naquele olhar pessoalmente, sei de cada articulação que ela força para dar aqueles sorrisos. Farsa, farsa ! Ela mente.
Quer que todos pensem outra coisa, totalmente oposta à realidade.
Qual será a dificuldade dela em demonstrar o que sente, de verdade ? Por que não pode fotografar suas lágrimas, ou sua alma tão escurecida ? Tento descobrir o que a impede de se abrir, pensei na possibilidade de ela gostar da dificuldade, do desafio, ...
Há muita cor em suas fotos, mas não consigo encontra-las quando olho diretamente pra você. Nada é proibido aqui, querida.

E sabe o que mais me dói ?
Talvez ela seja mesmo muito feliz.
E eu não.



B.

setembro 19, 2010

JPeg

Nestes dias ela tem acordado em uma cama diferente. Com ou sem o barulho do lado de fora, ela precisa do despertador. 7h em ponto ele toca e ela abre os olhos. Vira pro lado e vê o céu azul ali tão perto - anda dormindo tarde, acha mais prudente deixar a janela aberta.
Sem pressa ela se levanta, vai ao banheiro e depois pra cozinha. Tira o leite (de soja) da geladeira, e coloca os pães na torradeira.
Ele acorda, coloca uma música. Em algum cômodo da casa a música começa a tocar. Enquanto vai rolando um ACDC, eles começam a falar sobre a escolha do look e as grandes tragédias do cotidiano. Não, nestes dias ela não está sozinha.
Depois de toda a correria, secador - chapinha - cremes - maquiagem eles se sentam pra tomar o café da manhã. Conversando ainda.
Agora sobre viagens. As que fizeram, as que não fizeram e as que pretendem fazer.
Acabam perdendo a hora.
Se acotovelam no espelho do banheiro enquanto escovam os dentes e dão uma ajeitada final nos cabelos.
Um batonzinho aqui, mais pomada alí. Ela vai estudar. Ele vai trabalhar.
Saem às pressas, colocando tudo dentro das respectivas bolsas. Caminham apressados até a esquina e se despedem, cada um seguindo pro seu destino.

Ela coloca seus óculos escuros e liga seu ipod.
Ele coloca seus óculos escuros e liga seu ipod.

Começam a cantarolar e a bater as pontas dos dedos nos quadris.
Atravessam a rua e vão, pensando sobre o quão pouco eles tem precisado para serem felizes.



B.

setembro 16, 2010

Eufemismo

Consegui sentar aqui. Finalmente poderei registrar esse tempo.
O tempo passa e engraxa a gastura do sapato. Na pressa a gente não nota que a lua muda de formato.
Há algumas horas, talvez 48, estou me sentindo muito bem. Me sinto feliz, leve, virgem.
Juro que não aconteceu nada grande ou importante para me causar esse bem estar, apenas pequenos insignificantes detalhes mexeram comigo - creio eu - como os meus lindos botões que finalmente pude comprar, a companhia de uma querida amiga, ou um novo livro para ler.
Hoje, por exemplo, assisti um episódio de um reality show, bem tosco e fraco, mas me fez flutuar de alegria, sonhar novamente, e me sentir capaz. Tão capaz que não quero desistir. É um reality show sobre moda, hihi.
Aliás, ouvi um garoto citar uma frase, algo como 'estou como as flores'. Poxa, nunca me atraí por flores. Mas com a forma como ele pronunciou cada sílaba pude perceber o quão rico e delicado é estar como flores.
Essa minha disposição de conversar bastante com alguém, ou sair apenas para caminhar têm sido raro ultimamente, já que estou afogada nos problemas... Entretanto, tenho recebido alguns elogios, e pessoas têm comentado sobre minha suposta naturalidade; gosto disso.
Espero que da próxima vez que eu escrever, ainda esteja me sentindo tão bem. E bonita.

Adoro me olhar no espelho com o cabelo molhado.



B.

setembro 13, 2010

O gosto da tinta

Eu tinha por volta dos onze anos de idade. Lembro que foi logo que comecei a estudar no período da manhã. Era exatamente o primeiro trabalho escolar em grupo que eu faria- e não fiz.
Me senti tão humilhada por não poder participar, e por me excluírem friamente. Eu tinha sido uma vagabunda e ainda queria 'justiça'; claro que estava errada ! Mas eu juro que tinha uma essência inocente. Eu jamais quis prejudicá-las, ou ser uma vagabunda.
Onze anos e queria morrer logo. Totalmente sem perspectiva, me achava um verme. Queria muito morrer logo.
Sabe, eu chorava às vezes e rezava o seguinte:
"Deus, então, se você existe, me mata logo. Porque se você não fizer isso, eu vou saber que você não existe".
Pois é, e Deus nem me matou, nada. Não me lembro se passei a não acreditar nele.
Ainda queria morrer. E talvez muitas outras garotas, ao meu redor, da minha idade, tinham esse mesmo desejo. Porque a vida delas também era uma merda. Só não sei se era tão fodida como a minha.
Não lembro o que houve depois disso. Acho que conheci umas outras pessoas e mudei um pouco.

A conclusão é que o vinho é o mesmo,
O gosto da tinta está ficando velho.



B.

setembro 08, 2010

You can't take this from me

Apesar de irônico, eu queria o sol.
Deitei na minha cama e lá fiquei, morrendo de frio, mesmo mergulhada sobre cobertores. Eu estava protegida pela minha literatura francesa e música norte-americana, cuja letra diz "Você não pode tirar isso de mim". E não posso mesmo.
Estava esperando por uma mulher de meia idade, com colete, e crachá. A famosa que vem pesquisar sobre nossas vidas, apesar de nos ver como números. Estava esperando pela funcionária do IBGE, que por sinal, não apareceu.
A mudança de faixa nos meus fones de ouvido me chama de volta pra mim, me trava a garganta e me arde os olhos. Meu primeiro impulso me diz pra conter o drama, segurar as pontas. E eu só quero chorar como uma criança, minha garganta inflamada já não aguenta mais engolir coisa que seja. Paro de lutar e deixo as lágrimas escorrerem a seu belo prazer. Veja só que bonito, eu ainda tenho sonhos.
Fecho os olhos, começo a mexer os lábios devagar conforme cada palavra da letra da música. Me sinto dentro dela, me sinto dentro de meus sonhos, continuo chorando.
E cantarolando a música com o rosto encharcado, adormeço.
Não sonhei com nada.
Abri os olhos. Abri os olhos três horas depois.
A música já acabou. Estou livre ?




B.

setembro 06, 2010

Eu me calei

Meu Deus, eu me calei.

Comecei a roer todas as rosas que ganhei; sofri com todos, me doei, recolhi as dores alheias, demonstrei.
Os segundos rolavam e cada pelo do meu corpo se arrepiava, me vi desesperada, me pus a gritar: Está doendo.
Sempre doeu, agora dói mais. Agora é mais intenso. Nunca faltou tanto como agora.
E se me perguntarem o significado das ondas frias que passaram sobre nós, eu não saberei explicar, me senti morta do início ao fim. E o fim se iniciou agora.
O fim não trouxe nada consigo. Eu queria sangue - o tempero. E me faltou.
Quando eu quis falar, me taparam a boca. E quando pude gritar, não foi o bastante, mesmo doendo tanto.
Então apaguemos a luz, quero que a treva nos envolva.




B.

setembro 04, 2010

Chick - Flicks

Chego em casa ensopa pela chuva. Vou tirando a roupa de qualquer jeito, jogando tudo pra todo lado. Sapatos, calça, blusa, jaqueta. Coloco um jazz qualquer pra tocar, desses que me fazem me sentir menos desolada nos dias chuvosos. Tomo um banho, passo meus mil cremes, emulsões, hidratantes.
Coloco o pijama, desligo a música e ligo o computador. Pego a caixinha de esmaltes e me demoro escolhendo uma cor. São poucas opções, vermelho-claro, vermelho-médio, vermelho-escuro, rosa-antigo, marrom-claro, marrom-médio, marrom-escuro, preto, azul petróleo, laranja, ...
O mundo se esvaindo em água do lado de fora e eu na frente do computador, fumando um cigarro enquanto espero o esmalte secar. Passei três camadas. Assim demora mais. Quantos cigarros ainda tenho ?
De que adianta ter todo o tempo do mundo se o maço de cigarros está no final ?
Abro a geladeira pra ver o que tem pra comer. Um resto de comida de dois dias atrás em potinhos coloridos. Algumas maçãs. Iogurtes nenhum pouco naturais. Prefiro acender outro cigarro e voltar pro PC.

E quem é que não se inquieta ao imaginar a possibilidade de ter sua felicidade garantida pro resto da vida?


Desligo o computador, já entendiada com a mesmice, e ligo o som outra vez. Dessa vez uma música animada. Me levanto e começo a dançar, feliz, despreocupada com a minha solidão.
Acho que tenho que arrumar um outro namorado. Ou namorada.

Certezas são cheques sem fundo.



B.

setembro 03, 2010

Milagre / Miséria


Brï e Maria Fernanda
Cena do musical Homens Brechtinianos - 2009



Esses dias caminhei sobre aquela calçada nostalgica, e percebi alguém sentado na porta de sua casa. Pensar que eu sentava no chão com aqueles olhos verdes. O cabelo ainda preto com franja sobre os olhos verdes, a pele tão branca, e a sequência de sardas na maçã do rosto. Fitou-me até esclarecer um falso sorriso, um oi desdobrado por obrigação. Segui adiante, lembrando daqueles olhos verdes, e pensando que eu tinha que escrever sobre isso.
Escrevo, tão sufocada. Como pode, meu Deus, eu ter essa impressão de que a vida passa como um filme na minha frente.
Isso, rapidamente me lembrou de uma música que interpretávamos no musical Homens Brechtinianos. E me deu muita vontade de escutá-la, e colocar aqui sua letra.

Fica aqui a incrível música Milgre/Miséria. De Adriana Calcanhoto.


Nossas armas estão na rua
É um milagre
Elas não matam ninguém
A fome está em toda parte
Mas a gente come
Levando a vida na arte
Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Índio mulato preto branco
Miséria é miséria em qualquer canto
Todos sabem usar os dentes
Riquezas são diferentes
Ninguém sabe falar esperanto
Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Miséria é miséria em qualquer canto
A morte não causa mais espanto
O sol não causa mais espanto
Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes
Cores raças castas crenças
Riquezas são diferenças
As crianças brincam
Com a violência
Nesse cinema sem tela
Que passa na cidade
Que tempo mais vagabundo é esse
Que escolheram pra gente viver ?




B.