fevereiro 18, 2013

Triângulo

Três horas em um trânsito caótico. Cheguei em casa correndo, tirei o que deu pra tirar de roupa, pulei na cama.
Até então nada novo, o relógio marcava 21h e os meus olhos começaram a se fechar pesados e involuntariamente. Dormi. Mas mais do que isso, sonhei. 
No sonho eu abria um bilhete, lia um poema e voltava a dormir. O bilhete ficava numa caixa preta, dentro de um armário bonito, mobília antiga, madeira. Eu desdobrava o bilhete com curiosidade e lia o poema como se não fosse eu mesma que tivesse o escrito. Depois dobrava delicadamente, apertava sobre o peito e o colocava de volta na caixinha preta, a qual tinha estampada imagens do Elvis Presley.
Acordei. Acordei suada, mais cansada do que antes e comecei a pensar naquele sonho. Pensei comigo que talvez, há pouco tempo atrás eu havia mesmo escrito um poema e guardado dentro da minha caixinha do Elvis.
Levantei, abri o armário de madeira desesperadamente, peguei a caixinha e retirei colares, brincos, anéis que cobriam um papelzinho branco dobrado. Desdobrei hesitando ler o possível poema. Era um pequeno texto. Que texto? Quando havia escrito aquilo? Com olhos vivos e curiosos, li:

"Aqueles olhos verdes não me dizem nada. Não me contam nada novo, nem mesmo descrevem o ele pensa ou sente. E mesmo assim acredito que seja muito mais grandioso do que o que todos veem. Do que aqueles olhos verdes veem.

Aqueles olhos verdes não me dizem nada, não precisam. Eu não sei e acredito que nunca saberei quem ele é."


Eu não me lembrei. Eu não me lembrava quando havia escrito aquilo. Eu não me lembrava porquê. Mas inexplicavelmente, eu sabia que era sobre ele.

Voltei a dormir.





B.

fevereiro 06, 2013

Um Psicopata Americano

Era uma espécie de psicopata americano. A classe intrínseca, o tédio do mundo, a saúde arriscada pelos maços de cigarro diários e o bom gosto aplicado em tudo que poderia ter sua assinatura, fazer parte de seu mundo, eram apenas pílulas que se encaixavam em sua personalidade.
O Psicopata lançava olhares profundos, provindos de olhos castanhos transparentes, cada vez que sorria. E sorria sem frequência. Sorria sarcasticamente, sorria por gozação, sorria por sorrir muito raramente. Mas cada vez que sorria, deixava à mostra um lado pouco conhecido pela maioria. 
O lado que a maioria conhecia era seu lado ácido, bravo, rude e cruel. Era assim que preferia se exibir, pois dessa forma, poderia impor. Impor, em qualquer situação, era sua arma contra o mundo. 
Mas o que fazia dele um psicopata não era seu comportamento social e sim pessoal. O Psicopata Americano era atraente, era intrigante, misterioso de forma excitante. Era um símbolo de sexualidade viva, vibrante. Era o fetiche das lolitas, era as aparições nos sonhos eróticos delas.
Embora casado, não era esse o real motivo pelo bloqueio de envolvimentos com outras mulheres. O Psicopata não prezava por fidelidade exatamente, por exclusividade ou quem sabe monogamia. A razão pela qual ele não se permitia relacionar-se informalmente com outras, era por poupar as mulheres da sociedade. O Psicopata não queria mais assassinatos, já havia esfaqueado suas esposas anteriores. Ele queria simplesmente viver como todas as pessoas comuns, dedicar-se ao ordinário, filosofar sobre o cotidiano e não mais causar alvoroços. Portanto, se contentava em assistir pornografia escrachada e tentava tirar algum proveito de sua imaginação, pensando em violência e sexo. Excitando-se com o mundano. 
Apesar de sábio, o Psicopata não tinha conhecimento do que se passava do lado de fora de seu mundo, o que o salvava de mais problemas, afinal, a realidade era muito mais complexa e desleal do que as suposições que montava entre um cigarro e outro. Ele mal podia imaginar que seu rosto estampava notícias antigas sobre mortes polêmicas, nem mesmo que estaria presente em sonhos eróticos de lolitas fetichistas.


Regra nº 1. "What happen between us, keep between us."





B.

fevereiro 04, 2013

Navy


A cor vermelha, que geralmente associada à atração e confiança, jamais teria esses significados provados se não fosse a cor de seus cabelos vibrantes.
A atração nunca seria consumida se não fossem constantes tentativas de verbos perdidos entre tardes maçantes de trabalho.
A confiança nunca seria plena se não fossem vários verbos, adjetivos, palavras soltas pela boca, ou por dedos ansiosos em teclados de madrugada, insistindo em conversas sólidas ou líquidas, ou quaisquer características provindas daquela que, prova o vermelho em seu nome, nome de espécie de insetos vermelhos.
Trabalhávamos em um grande navio azul Ciano. Mas de todas as cores, eu ainda preferia o vermelho.
A porta do navio nunca se abriria, o ciúmes nunca seria excitado e a delícias nunca seriam desfrutadas se não fosse uma combinação de almas, perpétuas, no mesmo ambiente de trabalho.
"O trabalho é a coisa mais importante da vida", dizia o Marinheiro, não-mais-só.
O que seriam das almas, perpétuas, se não o trabalho?
O que seriam dos pensamentos tristes e enfurecidos, senão o trabalho?
O que seria de mim, pobre pequena plebeia perdida, senão a navegante de cabelos vermelhos?
A navegante era guiada pelo marinheiro, mas afirmava a todos que sua viagem não era à toa, e que não estava só de passagem. Que tinha missões, metas, objetivos e que as cumpriria com prazer e sem pudor - e, jamais, por mais de seis mil reais por mês, muito menos na Suíça.
A navegante navegou entre os mares mais escuros, entre as águas mais profundas, afogou-se vezes em lágrimas, mas secou muitas delas para que seu barco não afundasse.
A navegante me ajudou a remar nos dias mais difíceis, nos dias em que a comida não era suficiente para trazer força nos braços e nem mesmo outros marujos poderiam me ajudar.
A navegante não era sóbrea nem hébrea, não era homem nem mulher, nem mulher, nem menina. Apenas uma alma, perpétua, cheia de vida, cheia de sangue vermelho, cheia de palavras para serem ditas em horas exatas, principalmente por sua boca, vermelha de batom.
Entre todos os barcos, entre todas as águas, entre todos os mares, dentro e fora, entre tempestades e boas pescas, entre sereias e montros, entre âncoras e timões, entre um ambiente de trabalho, pedi que me ajudasse a remar, justamente, a uma bela navegante de cabelos vermelhos.
E se um dia o navio naufragasse, nossas almas, perpétuas, se separariam? Não responda. Não quero ler até o fim do livro que conta a história de nossas vidas.



[Texto escrito sob inspiração e dedicado à Joana Guimarães]

B.