outubro 02, 2010

Carta à Vovó Sônia

Mairinque, Outubro 02, 2010.

Olá Vovó.
Não sei pra onde endereçar a carta. Não sei onde está, assim como também nunca soube quando a senhora estava viva. Pois é Vovó, gostaria que fossemos próximas, gostaria de conversar sobre as roupas que a senhora usava quando era jovem, elas de fato me interessariam.
Mas não vem ao caso os anos que perdemos de sermos amigas, ou simplesmente avó e neta.
Espero que tenha encontrado a tal paz que todos comentam. Mamãe me disse que você pagaria pelas coisas ruins que fez enquanto viva, mas eu espero que você tenha encontrado a paz.
Você deve nos ver daí, onde está, não é ? Vês os nossos problemas familiares que a cada dia pioram. Sinto vergonha disso, não contei pra ninguém sobre os acontecimentos recentes entre mamãe e sua filha (a Tia Fá), e nem sobre Papai.
Papai parece bem, talvez ele sinta sua falta. Mas perder uma mãe nem sempre é triste.

Ontem papai veio em casa, e me contou sobre suas coisas. Você também deve saber que, logo que faleceu, pedi que me dessem suas coisas. Sei que de todos os herdeiros, sou quem mais dará valor aos objetos em si, e não ao valor capital deles. Mas quem acreditou em mim ?
Eu queria suas roupas de época, suas jóias tão antigas, suas fotografias já desbotadas, e alguns objetos de decoração que comprara em suas mil viagens para o exterior. Mas não para vender, como a Tia Fá ou o Tio Guis. Eu queria pra mim. E não deixaram; não me deram um anelzinho sequer. Confesso que chorei.
Essas histórias de herança são sempre assim, todos vão encima do que sobra dos mortos, como urubu na carniça. Mas com seus interesses financeiros, claro. Eu não, juro que tenho carinho pelos seus pertences.
Ainda guardo aquela caixinha que me deu, dourada, com uma imagem de pavão, que trouxe de Paris. E também aquela de cobre no qual a tampa é uma jovem com um gato - não sei de onde trouxe essa. Mas são relíquias que não pretendo me desfazer.
Papai ontem me deu uma fotografia sua, de quando jovem. Deduzo que tinha uns vinte anos de idade. Vovó ! Como era linda ! Não sabia o quão bonita era... Sabe, você era parecida com a modelo Twiggy. Guardarei a fotografia.

Amanhã pedirei à papai que me leve aonde você morava. Ele limpou a casa. E parece que você deixou cerca de quinze gatos ! Ao certo, Tio Guis e papai os colocaram para fora. Triste.
Não tenho medo de ficar sozinha lá.
Acho que perdi o medo de espíritos. E da morte.

Será que você nos vê e nos ouve daí ?
Só espero que leia esta carta.


Com carinho, de sua neta,




B.

4 comentários:

  1. Caramba! Tua vó era parecida com a Twiggy!!!

    Cartas são tão sublimes *-*

    Quando meus avós morrerem, não vou ficar com nada, aliás, acho que eu não quero nada... pensando bem, querer-ei um chapéu do meu avó. Mas nem vai rolar .-.

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  2. Eu nunca quis nada com ninguém que tivesse o mesmo sangue que o meu correndo nas veias.
    Me descobri materialista, então desejei somente os pertences. Antigos.

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  3. Forte.
    até na resposta de comentario vc fala bonito.

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  4. Você é tão intensa Brii, eu gosto disso em você!

    Beijos!

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